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Pela primeira vez, pesquisadores tem números que ligam, de forma direta, a destruição da mata ao aumento da temperatura e a falta de chuva. Foto: Vecteezy |
De acordo com o estudo, entre 1985 e 2020, a Amazônia deixou de receber, em média, 21 milímetros de chuva por estação seca — o que representa uma queda de 8% nas precipitações do período. Caso o ritmo continue, em 2035 a região pode registrar aumento de 2,64 °C na temperatura e redução de 28,3 milímetros de chuva na estação seca em comparação a 1985.
Segundo Luiz Machado, pesquisador visitante do Instituto de Física (IF), da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do estudo, o desmatamento não depende apenas do clima.
“Esses valores começam a se aproximar do ponto de não retorno. Esse ponto é complexo de definir, porque ele não depende só do clima, ele depende da vegetação. Mas a vegetação que é mais sensível à falta d’água pode, sim, desaparecer.”
Resultados
A equipe analisou 35 anos de dados do MapBiomas (1985–2020) sobre o uso da terra na Amazônia Legal. Foram considerados 29 blocos de 300 x 300 quilômetros, cruzando informações de cobertura florestal com dados de temperatura, chuvas e gases de efeito estufa obtidos por satélites.
“Através do sensoriamento remoto, pegamos dados de precipitação, metano, dióxido de carbono e da temperatura máxima próxima à superfície, porque, caso contrário, seria impossível olhar para a Amazônia de uma forma integrada”, explica Marco Franco, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e coautor da pesquisa.
O trabalho permitiu quantificar os efeitos das emissões globais de gases em comparação ao impacto direto do desmatamento. O resultado: três quartos da redução das chuvas vêm da derrubada da floresta, enquanto o aquecimento global responde pela maior parte do aumento de temperatura. Ainda assim, 0,4 °C desse aquecimento é efeito direto da perda de vegetação.
“Isso significa que é fundamental preservar o bioma. Porque se você não preserva, ele sentirá o desequilíbrio”, reforça Franco.
O futuro da Amazônia
Embora o aquecimento global explique grande parte do aumento das temperaturas, os 0,4 °C atribuídos ao desmatamento não podem ser ignorados. “Parece pouco, mas não é”, diz Franco. Ele lembra que as áreas mais desmatadas são justamente as que enfrentam secas intensas, queimadas recorrentes e maior risco de eventos extremos.
Se o avanço do desmatamento persistir, a Amazônia poderá caminhar para um regime climático mais parecido com o Cerrado, com estações secas longas e contrastes mais marcados entre os períodos chuvoso e seco.
“Essas tendências de desflorestamento e aumento da temperatura estão levando a Amazônia a ter um ciclo sazonal cada vez maior. Mas a resposta da vegetação pode ser diferente, não se sabe como a vegetação vai reagir a isso. Em regiões onde a vegetação é um pouco resiliente, pode haver uma redução de altura das árvores”, observa Luiz Machado.
Além disso, os impactos ultrapassam os limites da floresta. A redução de chuvas ameaça também o Cerrado e o Pantanal, que dependem da umidade transportada pelos chamados “rios voadores” — fundamentais, inclusive, para a agricultura brasileira.
“Os números que apresentamos precisam servir de guia para os tomadores de decisão”, conclui Franco. “É fundamental proteger e reflorestar o bioma, porque os efeitos são muito drásticos quando se remove a cobertura vegetal. E, quando cada país sentar à mesa da COP30, em Belém, todos terão de saber a conta que lhes cabe pagar.”
Fonte: Jornal da USP